
Jovens de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe relatam suas experiências acadêmicas e culturais na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), no Ceará, e revelam planos de aplicar o conhecimento adquirido para o desenvolvimento de suas nações de origem
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – A Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), sediada no Ceará, consolida-se como um importante polo de formação para jovens de países africanos de língua portuguesa (PALOP). Em depoimentos recentes, estudantes bolsistas compartilharam suas vivências, os desafios da adaptação cultural e acadêmica, e, sobretudo, a forte aspiração de retornar aos seus países para aplicar os conhecimentos adquiridos, ecoando a missão da instituição de fomentar a cooperação Sul-Sul e o desenvolvimento mútuo.
As experiências, narradas no canal no Youtube “Pedaço Africano” do moçambicano Nataniel Guambe, revelam um mosaico de sotaques, sonhos e a determinação de superar obstáculos em busca de um futuro melhor para si e para suas comunidades.
Kellem Barros (São Tomé e Príncipe), Engenharia de Alimentos
Kellen trocou São Tomé e Príncipe pelo Brasil para estudar na Unilab. Entre desafios, saudade e descobertas, ela constrói um futuro longe de casa – Imagem: print do vídeo
Chegando ao Brasil em 17 de janeiro deste ano, Kellen, 21 anos, de São Tomé e Príncipe, cursa Engenharia de Alimentos na Unilab há cinco meses.
“Eu vim aqui com o objetivo de estudar”, afirma, diferenciando sua vinda do turismo. A adaptação inicial foi “um pouco cansativa”, especialmente com a alimentação do restaurante universitário e a distância da família.
Apesar disso, está se adaptando e valoriza a oportunidade de integração. Kellen escolheu o Brasil e a Unilab após receber três propostas de bolsa (incluindo Argélia e Marrocos), optando por “um lugar que é integrativo, que tem já os africanos”.
Seus pais inicialmente hesitaram devido à imagem de violência associada ao Brasil. Ela sente falta dos pais, da cultura e gastronomia de seu país, mas enfatiza a importância de “sair para o mundo lá fora explorar”. Após os cinco anos de curso, planeja retornar, mas não descarta a possibilidade de “casar aqui com um brazuca”.
Faizal (Moçambique), curso não especificado (ênfase em desenvolvimento)
Faizal, de Moçambique, encontrou acolhimento no Brasil e sonhos renovados na Unilab. Entre coxinha, cuscuz e muito estudo, ele já planeja levar o conhecimento de volta ao seu país – Imagem: print do vídeo
Faizal, de Moçambique, destaca a hospitalidade do povo brasileiro:
“Fui recebido de uma forma muito, muito, muito boa mesmo”, conta.
Ele está aprendendo muito sobre culturas e hábitos sociais. Na gastronomia, apreciou pratos como munguzá, coxinha e cuscuz, que pretende ensinar em seu país. Seus planos futuros incluem fazer mestrado, trabalhar e “voltar para Moçambique e despejar essa bagagem de conhecimento”, aplicando o que aprendeu para melhorar setores em seu país.
Ele vive com auxílio da universidade, alugando casa com outros estudantes, e as refeições principais são feitas no restaurante universitário a R$1,10. Faizal também explicou o processo seletivo da Unilab, que envolve editais online e provas realizadas nos países de origem.
Lassana Dansso (Guiné-Bissau), Engenharia de Alimentos
Lassana, de Guiné-Bissau, estuda Engenharia de Alimentos na Unilab e planeja voltar à sua terra para transformar matéria-prima em oportunidade e combater o desperdício – Imagem: print do vídeo
Há um ano no Brasil, Lassana Dansso, de Guiné-Bissau, também estuda Engenharia de Alimentos. Ele relata que sua primeira impressão não foi de surpresa, pois um amigo brasileiro já havia explicado que a Unilab não se localiza em uma metrópole.
As maiores diferenças sentidas foram o fuso horário e a saudade da família e da comida. Sua perspectiva é “estudar ali no máximo fazer mestrado” e depois “regressar para a minha terra natal” para empreender na área de processamento de alimentos, visando reduzir o desperdício em Guiné-Bissau, que, como muitos países africanos, possui “uma potencialidade enorme sobre matéria-prima”, mas enfrenta dificuldades no processamento.
Leonel Leonardo Lopes (Moçambique – Cabo Delgado), Engenharia de Alimentos
Leonel, de Moçambique, encontrou no Brasil uma nova visão de mundo. Entre sonhos de empreender e memórias de um país em conflito, planeja voltar para transformar a realidade em sua terra natal – Imagem: print do vídeo
Leonel Leonardo Lopes, natural de Pemba, capital de Cabo Delgado, norte de Moçambique, chegou ao Brasil em fevereiro de 2024 para cursar Engenharia de Alimentos. Sua impressão inicial foi “muito positiva”, encontrando “uma visão mais ampla do mundo”.
Ele relata a difícil situação vivida em Cabo Delgado devido aos conflitos, com a cidade de Pemba lotada por deslocados internos. Seus planos incluem abrir um restaurante e um supermercado em Moçambique para “vender produtos de primeira qualidade” e “melhorar algumas coisas porque Moçambique tem deficit de criar produtos próprios”.
Ele também valoriza a liberdade no Brasil, contrastando com a abordagem policial em seu país.
Pedro Mulengue (Angola – Moxico), curso não especificado (em conclusão)
Pedro, de Moxíco, região leste de Angola, chegou ao Brasil com receios — e se surpreendeu. Após três anos de vivências e adaptações, ele conclui a graduação e já pensa em fazer do Brasil um novo lar – Imagem: print do vídeo
Angolano da província do Moxico, Pedro Mulengue está no Brasil há três anos e concluindo seu curso. Sua chegada, em março de 2022, foi marcada por uma impressão contrária à imagem negativa que tinha do Brasil.
“Chegando aqui, era o contrário daquilo que eu via”, disse, referindo-se à percepção de delinquência. A adaptação ao clima quente do Ceará foi um desafio.
Após a graduação, pretende “ficar aqui por algum tempo” para pós-graduação e considera o Brasil “um país que eu moraria”. Ele destaca que, como muitos africanos, cozinha pratos de seu país, embora com adaptações devido à diferença de ingredientes.
Unilab: Missão de Integração e Desenvolvimento
Na Unilab, histórias como as de Pedro, Kellen, Faizal, Lassana e Leonel se entrelaçam com a missão de integrar saberes e formar lideranças para os países da CPLP. Desde 2010, a universidade constrói pontes entre o Brasil e a África por meio da educação – Imagem da internet
As trajetórias desses estudantes estão intrinsecamente ligadas à missão da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Criada em 2010, com sede principal em Redenção (CE) e um campus em São Francisco do Conde (BA), a instituição pública federal visa formar recursos humanos e promover a integração entre o Brasil e os demais países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), com foco especial nos países africanos.
A Unilab oferece uma vasta gama de cursos de graduação e pós-graduação em áreas como Humanidades, Ciências Exatas, Saúde (incluindo o recém-criado curso de Medicina, que iniciou suas atividades em agosto de 2024 e também visa formar médicos para os países parceiros da CPLP) e Ciências Sociais Aplicadas. Cursos como Engenharia de Alimentos, Engenharia de Energias, Agronomia e Relações Internacionais são particularmente procurados por estudantes africanos, refletindo a busca por capacitação para o desenvolvimento de seus países.
A Unilab se assemelha em conceito à UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), que foca na integração com países da América Latina.
Contexto Maior: Relações Brasil-África e Cooperação Sul-Sul
“A África faz parte do Brasil e o Brasil tem que ter orgulho de dizer que faz parte da África”, Luiz Inácio Lula da Silva – Foto: François Walshaerts/AFP
A existência e o fomento de instituições como a Unilab alinham-se com a política externa brasileira de fortalecimento dos laços com o continente africano. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem enfatizado que “o Brasil tem uma dívida histórica com o continente africano” e que esta deve ser paga “em solidariedade, em transferência de tecnologia”.
Em discursos recentes, Lula afirmou:
“A África faz parte do Brasil e o Brasil tem que ter orgulho de dizer que faz parte da África”.
Essa visão se traduz em uma busca por cooperação em áreas como produção de alimentos, acesso à água potável e energia elétrica.
A aproximação do Brasil com nações africanas, como Burkina Faso sob a liderança de Ibrahim Traoré, é vista como parte de um esforço para consolidar o Sul Global, apostando em alianças estratégicas que desafiam a hegemonia ocidental e promovem um mundo multipolar. Essa cooperação busca ser livre de ingerências, focando em intercâmbio agrícola, tecnologias de combate à desertificação, energia renovável e políticas sociais. O Brasil, ao se posicionar como parceiro, visa não apenas ganhos políticos e econômicos, mas também reforçar uma identidade compartilhada e uma luta comum por soberania e desenvolvimento autônomo.
Os estudantes da Unilab, com seus sonhos e projetos, personificam o potencial dessa ponte sobre o Atlântico, preparando-se para serem agentes de transformação em seus próprios países, munidos do conhecimento e das experiências interculturais vivenciadas no Brasil.
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