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Enquanto o país avança em reduzir presos em delegacias, a população carcerária cresce e o déficit de vagas se agrava; Bahia contraria tendências nacionais em pontos críticos
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – Avanços e retrocessos marcam o cenário da segurança pública no Brasil, segundo os Anuários Brasileiros de Segurança Pública de 2024 e 2025. Enquanto o país celebra um progresso na desocupação de carceragens policiais e uma leve queda nas Mortes Violentas Intencionais (MVI), a Bahia emerge como um ponto de alerta. O estado nordestino, palco de intensa violência urbana, viu sua população carcerária total disparar, o déficit de vagas explodir e a proporção de presos sob custódia policial aumentar, contrariando a tendência nacional.
População Carcerária e Taxa de Encarceramento
A população privada de liberdade (PPL) no Brasil continuou sua trajetória de crescimento. Em 2024, o país superou a marca de 900 mil pessoas em privação de liberdade, atingindo 909.594, um aumento de 6,76% em relação a 2023. A taxa de encarceramento nacional subiu para 427,9 presos por 100 mil habitantes, um crescimento de 6,3%.
No entanto, uma tendência positiva se destacou: a redução significativa de pessoas sob custódia das polícias (em delegacias) no Brasil, caindo de 5.989 em 2023 para 3.751 em 2024, uma queda de 37,38%. Este é o menor patamar em anos, indicando um esforço nacional para desocupar carceragens que são notoriamente insalubres e não deveriam abrigar presos de longa permanência.
A Bahia, por sua vez, apresentou um quadro complexo. A população carcerária total do estado cresceu 12%, de 14.931 para 16.720 presos. A taxa de encarceramento baiana também subiu 11,8%, atingindo 112,6 por 100 mil habitantes. Mais preocupante, a Bahia contrariou a tendência nacional de desocupação de delegacias: o número de pessoas sob custódia das polícias no estado aumentou 20,1%, de 493 para 592, sugerindo que as delegacias baianas estão mais sobrecarregadas com presos de longa permanência.
Capacidade do Sistema Prisional e Superlotação
A superlotação continua sendo um problema crônico no sistema prisional brasileiro. Apesar da criação de 24.976 novas vagas de 2023 para 2024 no Brasil, o aumento da população carcerária (+59.822) foi muito superior, levando a um crescimento do déficit de vagas para 237.694. A razão preso/vaga, ou taxa de ocupação, subiu de 1,3 para 1,4, indicando um agravamento da superlotação.
No cenário estadual, a Bahia viu seu déficit de vagas mais que dobrar em um ano, passando de 1.161 em 2023 para 2.627 em 2024, um aumento de 126,35%. A razão preso/vaga no estado subiu de 1,1 para 1,2, evidenciando um agravamento da superlotação. Em termos de número de estabelecimentos prisionais, a Bahia registrou uma leve redução de 28 para 27, o que, combinado com o aumento da PPL, contribui para a piora da superlotação.
Perfil da População Carcerária: Um Retrato Desigual
O perfil da população carcerária brasileira em 2024 reafirma a predominância masculina e negra. No Brasil, 93,7% da PPL é masculina (855.714 homens), enquanto 6,3% é feminina (53.734 mulheres). A população negra (preta e parda) representa 68,7% dos presos com informação de raça/cor, com brancos em 29,9%.
Na Bahia, o perfil se assemelha à média nacional, com a PPL predominantemente masculina (16.072 homens) e feminina (648 mulheres). Embora a raça/cor não seja desagregada por estado nas tabelas, o ABSP 19º destaca que a Bahia, como um dos estados com maior população negra, reflete a seletividade racial no encarceramento. Dados de escolaridade e faixa etária da PPL adulta não são detalhados por estado nas tabelas.
A proporção de presos provisórios no Brasil manteve-se em 24,0% em 2024. A Bahia, no entanto, registrou um percentual maior, com 45,1% de seus presos ainda aguardando julgamento definitivo, um leve aumento de 1% em relação a 2023. Isso indica uma morosidade judicial ainda mais acentuada no estado, com quase metade da população carcerária sem condenação final.
Mortes Violentas Intencionais (MVI) e Letalidade Policial na Bahia
A Bahia registrou uma importante queda nas Mortes Violentas Intencionais (MVI), de 6.578 vítimas em 2023 para 6.036 em 2024 (-8,24%). A taxa de MVI também recuou de 46,5 para 40,6 por 100 mil habitantes (-12,69%), contribuindo para a redução nacional da violência letal. No entanto, o estado ainda permanece com uma das taxas de MVI mais altas do país.
Um ponto crítico é a letalidade policial. Embora tenha havido uma redução de 144 casos de Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIP) na Bahia (-8,47%), a proporção de MDIP em relação ao total de MVI permaneceu estável em 25,8%. Isso significa que, a cada quatro mortes violentas no estado, uma ainda é resultado de intervenção policial, um índice muito elevado em comparação com a média nacional (14,1% em 2024).
Os desafios das cidades baianas: destaque nos rankings de violência
A Bahia manteve uma forte presença no ranking das cidades mais violentas do Brasil com população acima de 100 mil habitantes, concentrando 5 das 10 cidades com as maiores taxas de MVI em 2024.
Em 2023, havia 6 cidades da Bahia no top 10 (conforme o ABSP 18º / 2024):
- Camaçari (2º em 2023)
- Jequié (3º em 2023)
- Simões Filho (5º em 2023)
- Feira de Santana (6º em 2023)
- Juazeiro (7º em 2023)
- Eunápolis (10º em 2023)
Em 2024, apenas 5 cidades da Bahia estão no top 10, sendo elas: Jequié, Juazeiro, Camaçari, Simões Filho e Feira de Santana. Portanto, Eunápolis foi a cidade baiana que deixou o ranking das 10 cidades mais violentas.
Municípios baianos como Jequié (34% de MDIP nas MVI), Santo Antônio de Jesus (52,4% de MDIP nas MVI), Eunápolis (58,2% de MDIP nas MVI) e Simões Filho (26% de MDIP nas MVI) também se destacam no ranking de municípios com a maior proporção de mortes decorrentes de intervenção policial. Essas altas proporções indicam que a letalidade policial contribui significativamente para o total de mortes violentas nessas localidades, refletindo um padrão de alto uso da força.
Investimentos e Infraestrutura do Sistema Prisional
Os anuários não detalham os recursos especificamente investidos no sistema penitenciário por estado, mas sim as “Despesas com a Função Segurança Pública” em geral. A Bahia registrou um aumento de 6,6% nessas despesas, alcançando R$ 6.650.056.566 em 2024.
O Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), principal fonte federal para o sistema prisional, teve uma queda de 33,6% nas despesas no Brasil (2023-2024), atingindo R$ 403.115.642 em 2024. Este decréscimo é preocupante para investimentos e melhorias.
Programas de Ressocialização e Perfil da PPL
Em 2024, apenas 20,3% da população prisional brasileira estava em alguma atividade de laborterapia (trabalho), proporção que se mantém estável em relação a 2023 (19,7%). Na Bahia, 19,7% da PPL participou de laborterapia em 2024, um leve aumento de 0,7% em relação a 2023. No entanto, o trabalho interno ainda é significativamente maior que o externo, e a remuneração é baixa ou inexistente para uma grande parcela. Para a Bahia, o trabalho externo em laborterapia diminuiu 44,0% em 2024.
O número de óbitos totais no sistema prisional brasileiro permaneceu estável, com 3.117 mortes em 2024. As causas naturais/saúde são as principais (1.708 óbitos), enquanto os óbitos criminais (596) tiveram uma queda de 20,8%.
Rankings e aspectos complementares
Ranking dos Estados com Maior Superlotação Carcerária (Razão Preso/Vaga, 2024):
Ranking dos Estados com maior deficit de vagas (Absoluto, 2024):
- Paraná: 56.270
- São Paulo: 44.252
- Rio de Janeiro: 27.926
- Minas Gerais: 14.715
- Ceará: 11.178
Fonte: ABSP 19º (2025)
Ranking dos Estados com Maior Taxa de Presos Provisórios (%, 2024):
- Bahia: 45,1%
- Piauí: 42,5%
- Pernambuco: 38,3%
- Mato Grosso: 36,3%
- Tocantins: 31,8%
Fonte: ABSP 19º (2025)
Situação das Mulheres Encarceradas: O número de mulheres na PPL no Brasil aumentou para 53.734 em 2024. A Bahia seguiu essa tendência, com 648 mulheres presas em 2024, um aumento de 119 mulheres. Os anuários não fornecem dados detalhados sobre as condições específicas das unidades femininas ou programas de reinserção por estado.
Unidades Socioeducativas: O número de adolescentes em medida socioeducativa em meio fechado no Brasil se estabilizou em 2024 (12.054), com um leve aumento de 3,6%. A Bahia teve um aumento de 15,9% nesse indicador (de 215 para 245 adolescentes), refletindo a complexidade da gestão da justiça juvenil.
Facções Criminosas e Rebeliões/Motins: Os textos dos ABSP destacam a forte presença de facções como CV e PCC na Bahia e em outras regiões, conectando-as aos altos índices de MVI e aos desafios de gestão prisional. Embora o impacto dessas organizações na segurança pública seja reconhecido, os anuários não fornecem tabelas específicas sobre ocorrências de rebeliões ou motins por estado e ano.
Outros Indicadores: Dados sobre Defensoria Pública especializada, reincidência, tempo médio de pena, custos por preso/mês e prisões realizadas para a população adulta carcerária não são explicitamente disponíveis nas tabelas dos anuários para serem desagregados por estado.
A compilação dos dados do ABSP revela que o sistema prisional brasileiro enfrenta um crescimento populacional contínuo e um déficit de vagas que se agrava, impactando a efetividade das políticas de ressocialização. A Bahia, em particular, destaca-se por desafios adicionais: o aumento da PPL, a explosão do deficit de vagas e o alto percentual de presos provisórios, somados a uma letalidade policial elevada. A manutenção de uma seletividade racial no encarceramento e a persistência de crimes como latrocínio e lesão corporal seguida de morte, mesmo com queda de MVI, reforçam a necessidade de políticas públicas mais integradas, focadas não apenas na repressão, mas na prevenção, na eficiência judicial e na garantia de direitos humanos em todo o ciclo penal.
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