Cortes em disciplinas críticas, ataques a professores e um revisionismo histórico crescente fazem parte de uma estratégia global da extrema-direita para minar o pensamento crítico e consolidar narrativas autoritárias
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – O recém-eleito vice-presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance, ao evocar Richard Nixon em seu discurso, reviveu uma ideia sombria: “Os professores são os nossos inimigos.” Essa afirmação, carregada de simbolismo, se encaixa no movimento mais amplo da extrema-direita global, que busca enfraquecer a educação como pilar do pensamento crítico. No Brasil, esse projeto ganha contornos nítidos, com cortes na carga horária das disciplinas de Ciências Humanas e o fortalecimento de uma visão revisionista da História.
O Governo do Estado de São Paulo recentemente promoveu uma reestruturação educacional que reduziu significativamente a carga horária de disciplinas como Geografia, Sociologia, Filosofia e História. O objetivo parece claro: enfraquecer as bases do pensamento crítico. Geografia, para que a população perca a noção de seu espaço e contexto. Sociologia, para impedir uma visão crítica sobre a sociedade. Filosofia, para desestimular o questionamento da realidade. Mas há uma exceção: a História, que teve seu tempo ampliado. Não qualquer História, mas uma versão revisionista, alinhada ao projeto da extrema-direita, como ocorre com Viktor Orbán na Hungria, agora exportado para os EUA e, por consequência, com impacto global.
A estratégia não é inédita. Na Alemanha, a extrema-direita insiste em reescrever o passado, tentando convencer que o nazismo foi um movimento de esquerda. No Brasil, a ditadura militar é romantizada, apresentada como um período “brando” e necessário. Tudo isso se insere em um contexto maior: a extrema-direita depende do negacionismo para sobreviver. O primeiro grande negacionismo foi o climático, evidenciado já no discurso de posse de Donald Trump, quando defendeu a expansão da exploração de combustíveis fósseis. Mas não parou aí. O revisionismo histórico se tornou peça-chave para deslegitimar avanços democráticos e ressuscitar discursos autoritários.
O Brasil já experimentou ataques diretos à educação com a retórica vazia da “Escola Sem Partido”, um projeto que, sob o pretexto de neutralidade, visava censurar professores e restringir debates em sala de aula. Universidades e educadores se tornaram alvos frequentes, acusados de doutrinação ideológica, enquanto o real objetivo era fragilizar a formação de cidadãos críticos. Esse mesmo modelo se desenha agora com o corte seletivo das disciplinas e a imposição de uma História fabricada sob medida para legitimar um projeto autoritário.
O que está em jogo, portanto, não é apenas a estrutura curricular, mas o próprio direito de pensar. Uma sociedade privada da Geografia perde a noção de sua realidade; sem Sociologia, não compreende seus próprios desafios; sem Filosofia, se torna incapaz de questionar as respostas que recebe. Mas, com uma História moldada sob interesses políticos, essa mesma sociedade pode ser conduzida ao passado, em vez de aprender com ele.
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