O tráfico humano para exploração laboral ganha nova face na era digital, com redes criminosas aliciando vítimas por promessas fraudulentas de emprego no exterior
Caso de Política com Agência Brasil – Dois brasileiros conseguiram escapar de um esquema de trabalho escravo em Mianmar, na Ásia, após meses de tortura e exploração. Luckas Viana dos Santos, 31 anos, e Phelipe de Moura Ferreira, 26, foram iludidos por promessas de emprego na Tailândia, mas acabaram sequestrados e forçados a trabalhar em um esquema de fraudes online sob a vigilância de criminosos armados. As informações são da Agência Brasil.
O Itamaraty confirmou que os brasileiros receberam assistência da Embaixada de Bangkok, na Tailândia, e que os trâmites para a repatriação estão em andamento. No entanto, os familiares das vítimas denunciam a omissão das autoridades brasileiras e creditam o resgate à ação de uma organização não-governamental.
A armadilha e o cativeiro
Luckas Viana havia deixado o Brasil há mais de um ano e trabalhado nas Filipinas e na Tailândia antes de aceitar uma proposta de emprego que oferecia um salário de R$ 8 mil. Segundo sua mãe, Cleide Viana, de 62 anos, ele foi capturado em outubro do ano passado ao ser levado de carro sob a promessa de que trabalharia no norte tailandês. O trajeto, porém, terminaria em Myawaddy, região de Mianmar dominada por milícias e marcada pela guerra civil.
“Eu perguntava em códigos se estava tudo bem, e ele dava sinais de que não. Depois, os criminosos cortaram nossa comunicação em dezembro”, contou Cleide.
Phelipe de Moura Ferreira teve um destino similar. Após trabalhar em vários países da Ásia e do Oriente Médio, ele também foi atraído por uma proposta na Tailândia em novembro de 2024. Seu pai, Antônio Carlos Ferreira, 56, revelou que o filho enviava mensagens por perfis falsos, descrevendo a rotina exaustiva de 15 horas diárias de trabalho e as agressões sofridas sempre que não atingiam as metas impostas pelos sequestradores.
A fuga arriscada e o resgate
O plano de fuga incluiu cerca de 80 pessoas que também estavam aprisionadas. A ideia era percorrer dois quilômetros até um rio que faz fronteira com a Tailândia. No entanto, o grupo foi capturado por uma das milícias locais e brutalmente espancado. A esperança ressurgiu quando o Exército Democrático Karen Budista (DKBA), um dos grupos armados que atuam na região, aceitou negociar a libertação deles com o governo tailandês.
“Foi um alívio. Já estava perdendo a esperança”, disse Antônio ao receber a notícia de que o filho havia cruzado a fronteira.
A negligência das autoridades
Os familiares criticam a postura do governo brasileiro, alegando que o Itamaraty se limitou a afirmar que estava em contato com as autoridades de Mianmar. “Contato não adianta, precisava pressionar. Se deixasse nas mãos de Mianmar, eles nunca saíriam de lá”, desabafou Antônio.
A fuga, segundo ele, só foi possível graças à ONG The Exodus Road, que atua no combate ao tráfico humano. A entidade mobilizou governos e a imprensa internacional, pressionando a Tailândia e a China a agirem. Como resposta, o governo tailandês cortou a energia no local onde a quadrilha operava, forçando os criminosos a ceder.
Trabalho escravo na era digital
A história de Luckas e Phelipe revela uma nova face do trabalho escravo na modernidade. Ao contrário do que ocorria no passado, em que vítimas eram exploradas em lavouras ou fábricas clandestinas, os esquemas atuais envolvem o uso de tecnologia para enganar e explorar trabalhadores em golpes online.
Segundo especialistas, a região do Sudeste Asiático se tornou um epicentro do tráfico humano para esse tipo de atividade. Organizações criminosas utilizam redes sociais e sites de empregos para atrair vítimas, especialmente de países em crise econômica. Uma vez aliciadas, essas pessoas são impedidas de sair, submetidas a jornadas exaustivas e ameaçadas com violência.
O papel do governo brasileiro
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que vinha acompanhando o caso desde outubro de 2024 e que a Embaixadora Maria Laura da Rocha cobrou esforços do governo de Mianmar durante reunião realizada em janeiro deste ano. O Itamaraty também destacou que mantém campanhas de conscientização sobre os riscos do tráfico humano e que oferece guias informativos sobre ofertas suspeitas de emprego no exterior.
Para as famílias das vítimas, no entanto, essas ações são insuficientes diante da gravidade do problema. “Enquanto não houver uma ação mais rápida e firme, mais brasileiros vão cair nessa armadilha”, alertou Cleide Viana.
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