Resolução oficial classifica pessoas com deficiência como “idiotas”, “retardados” e “imbecis”, gerando revolta na Argentina e no mundo
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – O governo de Javier Milei ultrapassou qualquer limite do aceitável ao oficializar, em plena era dos direitos humanos, uma nomenclatura ofensiva e medieval para descrever pessoas com deficiência intelectual. A Resolução 187/2025, publicada no Diário Oficial da Argentina nesta quinta-feira (27), traz termos como “idiota”, “retardado”, “imbecil” e “débil mental” para classificar os cidadãos que podem ou não ter acesso a pensões por invalidez. A medida, assinada pela Agência Nacional para a Deficiência (ANDIS), entidade que deveria zelar pelos direitos dessa população, gerou uma onda imediata de repúdio.
Organizações de defesa dos direitos das pessoas com deficiência, famílias e juristas denunciaram a violação de tratados internacionais e o uso de um vocabulário que há mais de meio século foi erradicado de qualquer documento oficial em países minimamente civilizados. “É um escárnio. Não há justificativa para que o governo utilize termos tão ultrapassados e pejorativos”, declarou Eduardo Maidana, do Fórum Permanente para a Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
Uma linguagem da barbárie oficializada pelo Estado
A escala descrita na resolução divide os indivíduos com deficiência intelectual conforme seus quocientes de inteligência (QI), atribuindo a eles rótulos humilhantes. Segundo o texto, quem tem QI entre 0 e 30 é classificado como “idiota”, enquanto aqueles entre 30 e 50 são “imbecis”. Mais acima na escala, aparecem os “retardados profundos”, “moderados” e, por fim, os “limítrofes”, cuja deficiência estaria na fronteira com a normalidade. Não bastasse a violência das palavras, a normativa decreta que somente aqueles considerados “mentalmente fracos” e que nunca exerceram trabalho remunerado terão direito à pensão.
O advogado e doutor em Estudos de Desenvolvimento Julián Bollain classificou a resolução como um “ultraje” e lembrou que a Argentina é signatária da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência desde 2006. “Publicar isso em um Diário Oficial é institucionalizar a discriminação. O governo Milei não apenas retrocede décadas, mas também viola abertamente acordos internacionais”, alertou Bollain.
O que diz o texto da resolução?
A publicação no Diário Oficial descreve:
“Retardo mental. É um déficit no desenvolvimento mental e um transtorno quantitativo caracterizado pela falta de avanço intelectual, afetivo e cognitivo-prático. Mas com o crescimento e as exigências sociais, as pessoas que sofrem com isso precisam compensar suas deficiências com elementos que às vezes substituem sua personalidade e também se tornam transtornos qualitativos. A verificação de uma dificuldade prática em conduzir-se de forma independente na vida, aliada ao estudo das funções, nos permitirá traçar o perfil do indivíduo. De acordo com o QI os grupos são: 0-30 (idiota): não passou pelo estágio glossário, não lê nem escreve, não conhece dinheiro, não controla esfíncteres, não satisfaz as necessidades básicas, não consegue subsistir sozinho; 30-50 (imbecil): não lê nem escreve, atende às necessidades básicas, pode executar tarefas rudimentares; 50-60 (deficiência mental profunda): apenas sinais, tem vocabulário simples, não lida com dinheiro, pode executar tarefas rudimentares; 60-70 (deficiência mental moderada): lê, escreve, realiza operações simples, entende de dinheiro, consegue realizar trabalhos com pouca exigência intelectual; 70-90 (retardo mental leve): frequentou o ensino fundamental e, por vezes, o ensino médio, consegue realizar tarefas maiores. Os que estão na fronteira têm QIs próximos do normal.”
Reação imediata e mobilização para revogação
A indignação explodiu em diversos setores da sociedade argentina. A Associação Civil pela Igualdade e Justiça (ACIJ) protocolou um pedido urgente de revogação da medida, argumentando que a resolução desconsidera a visão contemporânea sobre deficiência. “O mundo civilizado já entendeu que a deficiência não é uma característica pessoal absoluta, mas uma condição moldada pelas barreiras sociais e econômicas”, afirmou a entidade em comunicado. A ACIJ ainda ressaltou que o Estado deveria focar em garantir acessibilidade e suporte a essas pessoas, ao invés de segregá-las com termos carregados de preconceito.
A pressão cresce, e a permanência da resolução no ordenamento jurídico argentino se torna insustentável. A comunidade internacional observa com perplexidade o que parece ser um esforço deliberado do governo Milei para demolir as bases do respeito e da inclusão social. A questão agora é: até onde mais este governo pretende ir na desconstrução dos direitos fundamentais?
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