
Audiência pública na Câmara expõe distorções no discurso oficial sobre o número de cadastros no SUS e alerta para possíveis irregularidades com implicações legais graves
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – Um argumento cada vez mais repetido por setores da administração municipal de Barreiras (BA) — e ecoado por alguns vereadores — sustenta que a crise na saúde pública local seria causada pelo fato de o município possuir mais cartões SUS cadastrados do que habitantes. A tese sugere que esse suposto excesso de cadastros inflaria a demanda por serviços médicos, resultando em sobrecarga e colapso no sistema.
Durante audiência pública realizada na quarta-feira, 30 de abril, na Câmara Municipal, essa narrativa foi mais uma vez trazida ao debate — mas, desta vez, amplamente desmontada por representantes técnicos e do Governo da Bahia. Eles classificaram a justificativa como uma falácia conveniente, usada para desviar o foco de problemas estruturais da gestão da saúde municipal.
Barreiras é polo regional de saúde e atende municípios vizinhos mediante pactuações que garantem repasses. “Barreiras não atende porque é boazinha, mas porque é paga para isso”, disse Juca Galvão, Coordenador do Núcleo Regional de Saúde do governo estadual
Barreiras atua como centro regional de atendimento em saúde no Oeste da Bahia, recebendo pacientes de dezenas de municípios com os quais mantém pactuações intermunicipais formalizadas. Tais acordos preveem repasses financeiros ao município, vindos tanto do Estado quanto das prefeituras pactuadas, para custear os atendimentos de média e alta complexidade prestados à população da região.
“Barreiras não atende porque é boazinha, mas porque é paga para isso”, afirmou Juca Galvão, representante do governo estadual durante a audiência.
A fala reforça que o Sistema Único de Saúde (SUS) funciona sob regime de responsabilidade tripartite: o município responde pela atenção primária (postos de saúde, campanhas preventivas, acompanhamento básico); o Estado, pela média e alta complexidade (UPAs, cirurgias, internações, oncologia); e a União, pelo financiamento e regulação nacional.
Nesse modelo, estruturas como o Hospital do Oeste, a Policlínica Regional, a UNACON e unidades de urgência são mantidas com verba estadual — não municipal. Ao apontar o número de cadastros no SUS como vilão, o governo local desconsidera esse arranjo federativo e terceiriza responsabilidades que lhe são próprias, especialmente na organização e execução da atenção primária.
Cadastros inflados: distorção, não justificativa
O argumento de que Barreiras teria mais cadastros no SUS do que habitantes precisa ser analisado com cautela. Em muitos casos, cidades com população flutuante ou com pactuações regionais podem sim apresentar números de cadastros superiores ao da população estimada pelo IBGE. Isso, no entanto, não é ilegal por si só — desde que haja transparência, controle e consistência nos dados.
Por outro lado, o uso desse desequilíbrio como desculpa para falhas no atendimento, sem a devida contextualização técnica, configura narrativa falaciosa e politicamente útil para quem deseja se eximir de críticas.
Mais grave ainda: quando há cadastros duplicados, fictícios ou propositalmente inflados, o município pode estar incorrendo em irregularidades com implicações legais sérias, como destaca a Lei Complementar nº 141/2012, que rege o financiamento e a fiscalização do SUS.
De acordo com essa legislação e com normas que regem programas como o Previne Brasil, parte dos repasses federais é feita com base na população cadastrada nas equipes de Saúde da Família, mas dentro de limites atrelados à estimativa populacional do IBGE.
Ou seja, há tetos, cruzamentos de dados e filtros automáticos justamente para evitar fraudes e distorções.
Sanções e responsabilidades legais
Caso o número de cadastros supere de forma injustificada o total da população, isso pode acender alertas em órgãos de controle como a CGU (Controladoria-Geral da União) e o TCU (Tribunal de Contas da União). São investigadas possíveis irregularidades como:
- Cadastros duplicados ou desatualizados
- Pessoas fictícias ou falecidas ainda ativas no sistema
- Manipulação deliberada para inflar repasses
Se comprovadas fraudes, as penalidades previstas incluem:
- Suspensão de recursos federais para o município
- Obrigação de ressarcimento ao erário
- Ações de improbidade administrativa, com possível responsabilização civil, criminal e administrativa dos gestores
Esses dispositivos estão ancorados não apenas na LC 141/2012, mas também na Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) e em normas do SUS que regulam o uso ético e transparente de recursos públicos.
Crise não é culpa do cartão SUS
O caos nos postos de saúde, a dificuldade de marcação de exames e o colapso nos atendimentos não têm como causa principal o número de cartões SUS cadastrados. A questão central reside na má gestão da atenção primária, na ausência de planejamento e na incapacidade de coordenar o sistema municipal de saúde com base em indicadores reais.
Enquanto setores da gestão local propagam a ideia de que Barreiras está sendo “punida” por acolher pacientes de fora, a verdade é que o município é remunerado por isso, e tem obrigação legal de manter a qualidade dos serviços prestados com base nos recursos recebidos.
Transferir a culpa para o “outro” — seja o Estado, seja os cadastros do SUS — não melhora o atendimento, não resolve a superlotação, e não garante medicamentos nas prateleiras. Já reconhecer a complexidade do SUS, cumprir as pactuações com responsabilidade e adotar critérios técnicos de gestão, sim.
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