
Com placar de 8 a 1, Corte caminha para flexibilizar a exigência de ordem judicial para remoção de posts, estabelecendo um novo paradigma de dever de cuidado para as plataformas. Julgamento será concluído nesta quinta-feira
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – O Supremo Tribunal Federal (STF) formou uma maioria de oito votos nesta quarta-feira (25) para ampliar a responsabilidade civil de plataformas digitais, como redes sociais e aplicativos de mensagens, por conteúdos ilícitos publicados por terceiros. A decisão, que caminha para ser consolidada, representa uma virada histórica na interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), até então o principal escudo jurídico das chamadas big techs contra processos por danos causados por seus usuários.
O placar foi consolidado com os votos da ministra Cármen Lúcia, que se alinhou à corrente majoritária, e do ministro Edson Fachin, que divergiu, defendendo a manutenção da regra atual. Com apenas o voto do ministro Nunes Marques pendente, a Corte se prepara para definir uma nova tese que obrigará as empresas a adotarem uma postura mais proativa na moderação de conteúdo, superando a necessidade de uma ordem judicial para agir em diversas situações.
No centro do julgamento está a constitucionalidade do artigo 19, que condiciona a responsabilidade das plataformas à sua omissão após uma decisão judicial específica para a remoção de um conteúdo. Para a maioria dos ministros, essa regra se tornou um “portão de papelão”, nas palavras de Cármen Lúcia, insuficiente para conter a disseminação de discursos de ódio, desinformação e ataques ao Estado Democrático de Direito.
Apesar de convergirem na necessidade de mudança, os oito ministros que formam a maioria apresentaram propostas com diferentes nuances. As teses variam entre a inconstitucionalidade total do artigo, defendida pelos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, e modelos de “interpretação conforme” a Constituição, que criam regimes de responsabilidade distintos a depender da gravidade e da natureza do conteúdo.
As propostas majoritárias estabelecem um “dever de cuidado” para as plataformas, com responsabilização direta em casos de conteúdos manifestamente criminosos, como pornografia infantil, terrorismo e incitação a golpes de Estado. Também há consenso sobre a responsabilidade presumida por publicações impulsionadas com pagamento e por perfis falsos ou automatizados (robôs). Para o ministro Alexandre de Moraes, as big techs não podem ter uma “cláusula absoluta de impunidade” e devem ser tratadas como empresas de comunicação, sujeitas às leis brasileiras.
Em voto dissonante, o ministro Edson Fachin alertou para os riscos de a mudança gerar uma “censura privada” e concentrar poder excessivo nas mãos das plataformas, que poderiam remover conteúdos de forma arbitrária para evitar processos. Para ele, qualquer alteração nas regras deveria partir do Congresso Nacional, e não do Judiciário.
O julgamento, que analisa dois recursos extraordinários (RE 1.037.396 e RE 1.057.258), será retomado na sessão de quinta-feira (26) com o voto de Nunes Marques. Após a conclusão, o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, informou que haverá uma nova etapa para consolidar as diferentes propostas em uma única tese de repercussão geral, que servirá de guia para todos os tribunais do país.
As diferentes visões em debate
Corrente Majoritária (8 votos): Defende a superação do modelo atual. Ministros como Dias Toffoli, Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso propõem regimes de responsabilidade que variam conforme o conteúdo. A ideia central é que as plataformas devem agir proativamente (dever de cuidado) contra crimes graves e são responsáveis por conteúdos pagos ou veiculados por contas falsas. A remoção poderia ocorrer após notificação extrajudicial em muitos casos, reservando a exigência de ordem judicial para ilícitos de menor potencial ofensivo, como crimes contra a honra.
Voto Divergente (1 voto): O ministro Edson Fachin defende a constitucionalidade do artigo 19, argumentando que a regra atual equilibra proteção à liberdade de expressão e combate a ilícitos. Para ele, a solução para os desafios do ambiente digital deve ser legislativa, para evitar insegurança jurídica e riscos de controle indevido de discursos.
Próximos passos
Após o voto final do ministro Nunes Marques, os ministros se debruçarão sobre as dez propostas de teses apresentadas para unificar um texto final. Essa tese definirá, por exemplo, se a responsabilidade será objetiva (independente de culpa) ou subjetiva, quais conteúdos exigirão remoção imediata e quais os deveres de transparência e procedimento que as plataformas deverão seguir.
Veja os votos dos ministros detalhadamente no Portal Migalhas
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