
Evento busca legitimar participação social, mas é confrontado com a dura realidade de desabastecimento, sucateamento e falta de transparência em obras e contratos da saúde, revelando um abismo entre a retórica da equidade e a dor dos usuários
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – Na noite desta quinta-feira (07), a Câmara Municipal de Barreiras foi palco da 10ª Conferência Municipal de Saúde. Com o tema ambicioso “Saúde e Equidade: garantindo direitos e fortalecendo o SUS”, o evento prometia avanços significativos nas diretrizes da política pública local. No entanto, desde os primeiros discursos, ficou evidente a tensão entre o otimismo da narrativa oficial e o cotidiano brutal vivido pelos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) em Barreiras — uma realidade marcada por desabastecimento, descaso e desilusão.
O aparelho democrático à prova: entre a retórica e a realidade
O presidente do Conselho Municipal de Saúde, Gilvan Ferreira, abriu os trabalhos exaltando o papel democrático do encontro e defendendo um SUS mais justo e acessível — discurso que, para muitos presentes, destoou da dura realidade enfrentada pela população
O presidente do Conselho Municipal de Saúde, Gilvan Ferreira, abriu os trabalhos com um discurso enérgico, exaltando o papel democrático do evento. Reforçou que a construção de um SUS mais “justo, eficiente e acessível” exigiria a “presença e participação de cada um aqui”. Mas, para muitos presentes, essa fala soou distante – quase cínica – diante da crueza da realidade.
A “resiliência” do SUS, celebrada por Gilvan Ferreira, parece, na prática, significar a capacidade do povo de sobreviver ao caos: falta de medicamentos, deficit de servidores e precarização dos serviços. O discurso de “soberania popular e responsabilização mútua” colide com a inércia frente a denúncias e com a impunidade que perpetua a dor dos mais vulneráveis.
Representando o Executivo, o vice-prefeito Dr. Túlio Viana reforçou o compromisso da gestão com a saúde. A ausência do prefeito Otoniel Teixeira, no entanto, falou alto e gerou desconforto entre os presentes
Representando o Executivo, o vice-prefeito Dr. Túlio Viana repetiu o tom protocolar de compromisso da gestão com a saúde. A ausência do prefeito Otoniel Teixeira, porém, foi ruidosa em silêncio – causou incômodo e levantou questionamentos sobre a real prioridade da saúde para a gestão municipal.
A gestão da saúde: Um contraste brutal entre relatórios e leitos vagos
A secretária de Saúde, Larissa Barbosa, apresentou dados positivos e menções à ONU, mas ignorou questões centrais como a falta de medicamentos, a precarização dos serviços e o silêncio em torno do Hospital Municipal – obra milionária cercada de questionamentos. Sua fala soou distante da realidade vivida por quem depende do SUS
A secretária municipal de Saúde, Larissa Barbosa, trouxe à plenária um discurso repleto de dados “positivos” e menções a classificações da ONU sobre “Saúde e Bem-Estar”. Entretanto, a análise genérica e suavizada destoou da angústia real da população: a crônica falta de medicamentos nas farmácias públicas; a escassez de servidores; e até mesmo a alimentação insalubre oferecida aos pacientes internados.
A tentativa de despolitizar a saúde, tratando-a como uma “questão de dignidade”, revelou-se um paradoxo. Para os usuários, dignidade não é retórica, é prática: é ter acesso a atendimento humano, a medicamentos, a condições mínimas de cuidado. Os indicadores não refletem a dor nos corredores superlotados, nem as filas madrugadas adentro. A fala da secretária soou desconectada, como um eco protocolar perdido no ruído do sofrimento cotidiano.
O tema central – o futuro Hospital Municipal de Barreiras – sequer foi mencionado nas falas de abertura, o que intensificou a sensação de omissão. Trata-se de uma obra marcada por escândalos, como aponta o Portal Caso de Política: Obras do Hospital Municipal de Barreiras já consumiram muito mais que R$ 40 milhões de recursos públicos.
Além do custo já elevado, há suspeitas sobre remanejamentos orçamentários questionáveis – Otoniel Teixeira faz remanejamento orçamentário e reacende alerta sobre prioridades em Barreiras: hospital e cortes no foco.
A proposta de uma Parceria Público-Privada (PPP) apenas acentuou as desconfianças. PPP do Hospital Municipal de Barreiras: uma aposta arriscada que poderia ter sido evitada. A minuta do contrato, retirada do ar após denúncias, previa cobranças por procedimentos – instaurando, na prática, um “SUS Dual”. Minuta do contrato da PPP para hospital em Barreiras expõe riscos de cobrança e criação de um “SUS Dual”.
A Defensoria Pública da Bahia posicionou-se duramente contra esse modelo, defendendo uma unidade 100% SUS e universitária, como solução ética e viável. Defensora Pública defende hospital 100% SUS em Barreiras e sugere hospital universitário. Isso, somado às dívidas bilionárias da prefeitura, próximas de R$ 1 bilhão, adiciona um alto risco ao legado da gestão. Hospital Municipal de Barreiras: dívidas bilionárias, incertezas e o risco de um legado problemático.
Aditivos milionários, caos velado e a cobrança incisiva do governador
A atmosfera da conferência foi ainda mais tensionada por denúncias graves trazidas dias antes pelo vereador João Felipe (PCdoB). Em pronunciamento contundente, ele denunciou um “modelo perverso de gestão pública”, evidenciando aditivos milionários em contratos com empresas terceirizadas. O contrato da Lincar Locadora R Limpeza, por exemplo, saltou de R$ 15 milhões para R$ 53 milhões em apenas dois aditivos. Segundo ele, recursos que poderiam contratar seis médicos foram usados para cobrir cargos administrativos e porteiros. João Felipe denuncia aditivos milionários com empresa terceirizada e caos na saúde pública de Barreiras.
A denúncia também mencionou salários defasados e a situação crítica de unidades como o CAPS, cuja estrutura estaria literalmente “caindo na cabeça dos usuários”. O cenário foi classificado como “desumano”.
A crítica ganhou peso quando o governador Jerônimo Rodrigues cobrou publicamente mais responsabilidade da prefeitura de Barreiras, apontando a superlotação do Hospital do Oeste como resultado da fragilidade da Atenção Básica no município – o que foi ignorado em resposta genérica e elogiosa por parte do prefeito. Governador cobra responsabilidade de Barreiras na Atenção Básica; Otoniel ignora desafios com fala genérica e elogiosa.
A lente crítica da equidade: Desnudando iniquidades e apontando caminhos
O professor e nutricionista da UFOB, Marlos Pereira, destacou o racismo estrutural e as desigualdades no SUS durante a palestra magna da 10ª Conferência de Saúde. Ele defendeu uma política de equidade real e criticou a lógica da “Economia Desumana”
A palestra magna, conduzida pelo professor e nutricionista da UFOB Marlos Pereira, foi um divisor de águas. Ao aprofundar o conceito de equidade, Marlos desmontou a superficialidade da “igualdade” e apontou para as diferenças ignoradas na prática do SUS.
Ele evocou a “Lei do Cuidado Inverso”, segundo a qual os recursos chegam a quem menos precisa, e correlacionou essa lógica perversa à realidade de Barreiras: medicamentos escassos, filas intermináveis, atendimento desumano e negligência com a alimentação hospitalar.
Marlos criticou a chamada “Economia Desumana”, onde a austeridade fiscal agrava as mazelas do atendimento público.
“A cor da dor é preta, a cor da fome é preta”, declarou, denunciando o racismo estrutural que opera silenciosamente no SUS, inclusive na administração de anestesia para mulheres negras, que recebem menos alívio para a mesma dor.
Sua fala foi incisiva: é necessário criar linhas de cuidado específicas e promover diagnósticos descentralizados, atendendo as realidades de populações vulneráveis e garantindo o acesso equânime à saúde.
Caminhos para a transformação: Da retórica à ação
A missão agora é transformar a conferência em prática: as propostas devem alimentar o Plano Municipal de Saúde (2026-2029) e o Plano Plurianual (2026-2029). Programas como o “Melhor em Casa” e “Consultório na Rua” foram citados como exemplos de políticas públicas efetivas. O Programa Bolsa Família foi exaltado como modelo de intersetorialidade e eficiência, indo além do assistencialismo.
A 10ª Conferência Municipal de Saúde de Barreiras encerra-se diante de um desafio colossal: romper com o ciclo da retórica, olhar a realidade nos olhos e garantir, de fato, o direito à saúde. O povo de Barreiras não espera apenas estatísticas ou promessas – espera um SUS que funcione, com dignidade, equidade e humanidade.
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