
Estudo da consultoria FESPSP, publicado no Diário Oficial, revela preocupações com a potencial inclusão de serviços assistenciais na Parceria Público-Privada (PPP), indicando possíveis prejuízos financeiros e administrativos para o município, em contraste com alternativas públicas ignoradas
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – A Prefeitura de Barreiras publicou na Edição 4471 do Diário Oficial, em 8 de agosto de 2025, o “Relatório da Consulta Pública da Concessão do Hospital de Barreiras”. Este documento, datado de janeiro de 2025, elaborado pela consultoria FESPSP, detalha os estudos de viabilidade para um contrato de Parceria Público-Privada (PPP) de 30 anos para a gestão do futuro Hospital Municipal. Longe de ser apenas um trâmite formal, o relatório – resultado de uma consulta pública realizada entre 22 de novembro e 22 de dezembro de 2024, com audiência pública em 18 de dezembro de 2024 – funciona como um alerta técnico contundente, expondo potenciais riscos e custos elevados que podem recair sobre os cofres públicos.
A PPP em questão é na modalidade de “Concessão Administrativa”, o que significa que o pagamento à empresa privada virá integralmente do dinheiro público municipal. O objetivo é delegar à iniciativa privada a operação, manutenção das instalações e a gestão de serviços assistenciais e não assistenciais do Hospital Municipal. No entanto, o próprio relatório da FESPSP, fruto dessa consulta, adverte sobre as complexidades e os riscos e desafios financeiros do modelo.
Um dos pontos mais controversos e que gerou intensa discussão na consulta pública é a inclusão da chamada “bata-branca” – que se refere à gestão direta dos serviços assistenciais, como médicos, enfermeiros e o atendimento clínico ao paciente. Em contraste, a “bata-cinza” abrange a gestão da infraestrutura, manutenção e serviços de apoio (limpeza, segurança, alimentação).
O relatório indica que a sugestão de “remoção da bata-branca do escopo de serviços do edital” foi “acatada no todo, ou em parte, na forma do disposto no edital definitivo e respectivos anexos” (informação presente nos itens 30, 31, 32, 33, 34 e 35 da tabela de contribuições do documento).
Essa formulação – “no todo ou em parte” – é um ponto crítico: ela deixa a dúvida se a prefeitura realmente retirou todos os serviços de “bata-branca” do contrato ou se apenas reduziu seu alcance, mantendo parte dos riscos para o município.
O próprio relatório alerta para custos elevados e imprevisíveis a longo prazo. Ele aponta que a manutenção da “bata-branca” no escopo “eleva desproporcionalmente o risco operacional do projeto” e que isso, em última instância, “onerará o contrato e a sociedade de forma desproporcional” (item 32).
Há também uma preocupação explícita com a fórmula de reajuste do pagamento à concessionária (IRCP = 55% IPCA + 25% CCT_enfermagem + 20% SINDAPOIO), cuja capacidade de “capturar 100% dos custos enfrentados pela Concessionária” é questionada, podendo gerar um “cenário de desequilíbrio relevante entre contraprestação e custos” (item 30). Esse desequilíbrio, na prática, pode resultar em pagamentos adicionais e não previstos pelo município.
Os riscos de reequilíbrios contratuais e litígios constantes são corroborados por experiências anteriores em outras PPPs de saúde, conforme o próprio relatório descreve. Ele cita casos como o Hospital do Subúrbio (Bahia) e o HEURO (Rondônia), além de projetos em Portugal, que resultaram em “custos adicionais”, “superlotação”, “litígios”, “arbitragens que totalizaram mais de R$ 100 milhões de Euros” e até “contratos suspensos” e “desejo de renovação” por parte dos parceiros privados (ver itens 35 e 37). O documento é claro ao afirmar que essas situações “demandarão gastos jurídicos de ambos os lados” (item 34).
Essa realidade histórica se soma ao cenário de fragilidade das obras do próprio hospital, que já consumiram mais R$ 40 milhões com empréstimos bancários, exigindo um novo empréstimo de R$ 10 milhões (conforme noticiado pelo Portal Caso de Política em 26 de junho de 2024).
Além disso, o Portal Caso de Política, em 24 de março de 2025, na matéria “Minuta do contrato da PPP para hospital em Barreiras expõe riscos de cobrança e criação de um ‘SUS Dual'”, levantou alertas sobre a possibilidade de criação de um “SUS Dual”, um sistema que poderia levar à cobrança por alguns serviços. A reportagem revelou que a Cláusula 28 (Remuneração Contratual) define que a “Concessionária será remunerada por recursos públicos e pelas ‘Receitas Acessórias’ geradas”, e que a Cláusula 31 (Atividades Acessórias) “permite à Concessionária explorar comercialmente atividades não essenciais, com aval do Poder Concedente”.
Nesse contexto, em audiência pública realizada em 23 de março de 2025, a defensora pública Laís Daniela Sambüc, citada na matéria “Defensora Pública defende hospital 100% SUS em Barreiras e sugere hospital universitário“, defendeu veementemente a prioridade de um hospital “100% SUS, universal e gratuito”.
Ela pontuou que “o mais importante é garantir que o hospital seja 100% SUS”, e que a Defensoria Pública acompanharia o projeto para garantir que não se tratasse de privatização, mas de uma parceria “com atendimento totalmente SUS e gratuito”. A preocupação é que as “Receitas Acessórias” possam abrir brechas para “acesso diferenciado a serviços (quartos, exames rápidos, acompanhamento) para quem puder pagar”, ferindo o princípio da igualdade e universalidade, pilares do SUS.
O compromisso de 30 anos imposto pela PPP representa um engessamento significativo para o orçamento da saúde municipal, limitando a capacidade de investimento em outras prioridades ou de reagir em eventuais crises sanitárias. A administração justifica a necessidade do investimento (com um aporte mínimo de R$ 10 milhões pela concessionária, sugerindo um projeto de R$ 20 milhões custeado pelo município ao longo do contrato), argumentando que a conclusão da infraestrutura hospitalar é indispensável.
No entanto, essa insistência na PPP ocorre em um contexto de alto endividamento municipal, que já se aproxima de R$ 1 bilhão (conforme Portal Caso de Política, na matéria “PPP do Hospital Municipal de Barreiras: uma aposta arriscada que poderia ter sido evitada“).
Este cenário contrasta fortemente com alternativas, apontadas por especialistas e diversas figuras políticas, que foram aparentemente ignoradas pela administração. Em matérias como “Prefeito Zito Barbosa propõe privatizar hospital municipal, mas enfrenta resistência” e “Bahia aposta em gestão pública e universitária em Paulo Afonso, enquanto Barreiras insiste na privatização da saúde“, é destacada a possibilidade de federalização do hospital e sua transformação em um hospital universitário vinculado à Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) e gerido pela Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).
A insistência do prefeito Otoniel Teixeira (União Brasil) em seguir o modelo de privatização, seja por pressão ou mero acordo político, parece dar continuidade à cartilha do ex-prefeito Zito Barbosa (também União Brasil), que governou por 8 anos, tenta emplacar a futura unidade em homenagem a sua ascendente e resistiu ao diálogo com os governos federal e estadual para captação de recursos e investimentos.
Essa alternativa de federalização, por outro lado, é descrita como capaz de garantir financiamento federal, aliviando os cofres municipais e fortalecendo o ensino e a pesquisa na região. Um futuro hospital universitário em Barreiras seria um hospital-escola de referência, com formação acadêmica e pesquisa científica, além de trazer benefícios como a criação de programas de residência médica e maior integração com as atividades acadêmicas da universidade, impulsionando a produção de conhecimento científico e a inovação na área da saúde.
Tais benefícios, conforme defendido pela Defensoria Pública em 23 de março de 2025, não apenas qualificariam e reforçariam Barreiras como polo de saúde, mas também libertariam o município para focar na atenção primária, sem sobrecarregar o erário.
Ainda em meio às dúvidas, o prefeito Otoniel Teixeira realizou remanejamento orçamentário, transferindo R$ 1.200.000,00 para as obras do hospital, recursos que foram retirados de fundos da própria Secretaria de Saúde, levantando questionamentos sobre as prioridades.
A complexidade dos estudos da PPP também levou à prorrogação do contrato com a FESPSP e um aporte adicional de R$ 100 mil, elevando o custo da assessoria para R$ 1,6 milhão. Vale destacar que o relatório data de janeiro de 2025, sete meses antes de sua publicação no Diário Oficial do Município.
Com o edital e anexos agora em fase de revisão, a decisão final sobre a concessão do futuro Hospital Municipal de Barreiras será baseada em um projeto que, conforme seu próprio relatório técnico e o histórico recente, carrega riscos consideráveis e potencialmente onerosos. Espera-se que essa ideia de entregar a administração do futuro Hospital Municipal à iniciativa privada seja revista, e que a visão de um hospital universitário, com seu potencial de excelência, sustentabilidade e menor oneração ao erário, seja melhor observada e debatida pela população e pelas lideranças políticas e técnicas de Barreiras. A transparência e o acompanhamento público são mais urgentes do que nunca para garantir que o futuro da saúde na cidade não seja comprometido por decisões apressadas e potencialmente prejudiciais a sociedade ao erário público.
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