
Imagens: Prints da transmissão
Em audiência pública explosiva, Flávio Dino comanda debate que desnuda o racha institucional em torno das emendas parlamentares. Críticos denunciam “usurpação de poder” e risco de colapso fiscal, enquanto defensores veem legitimidade e clamam por diálogo. O futuro do governo federal está em jogo
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – O Supremo Tribunal Federal (STF) foi palco, nesta quinta-feira (27), de uma batalha de narrativas que define o futuro do poder no Brasil. Convocada pelo ministro Flávio Dino para instruir três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), a audiência pública sobre emendas parlamentares não foi um debate protocolar, mas a exposição crua de uma crise institucional onde o controle de um orçamento que pode superar R$ 100 bilhões anuais é o estopim de uma guerra fria entre os Poderes.
A audiência, com um ar de urgência, expôs um abismo entre duas visões de país. De um lado, a tese de que o Congresso Nacional, por meio das emendas impositivas, promoveu uma “apropriação” do orçamento, desfigurando o presidencialismo, asfixiando o Executivo e criando uma máquina de perpetuação no poder. Do outro, a defesa de que a impositividade é um instrumento legítimo, uma evolução democrática que corrigiu uma antiga distorção e garantiu voz à oposição e às minorias.
Ao abrir a sessão, o ministro Flávio Dino já sinalizou a gravidade da situação. Afirmando que não se trata de uma “vontade unilateral” do Judiciário, mas do dever de arbitrar um conflito entre normas constitucionais, Dino foi claro:
“Quando qualquer poder erra, quem paga a conta é exatamente quem está na praça”, referindo-se ao povo.
“Usurpação de poder”: a tese da inconstitucionalidade
Valfrido Warde, advogado representando o PSOL, e Rafael Valim criticam em audiência pública o atual modelo de emendas parlamentares. Para eles, há uma apropriação indevida do orçamento pelo Legislativo, ferindo o equilíbrio entre os Poderes e colocando em risco a sobrevivência do presidencialismo no país.
O primeiro golpe veio dos autores das ações. O advogado Valfrido Warde, representando o PSOL, declarou que a audiência discutia nada menos que a “sobrevivência do presidencialismo”. Ele definiu o atual modelo como uma “apropriação do orçamento pelo parlamento sem as devidas responsabilidades”, originada na necessidade de substituir o financiamento empresarial por uma nova fonte de recursos para a política.
Sua conclusão foi lapidar: uma atuação em desarmonia “é, portanto, usurpação de poder”. Seu colega, Rafael Valim, elevou o tom, classificando a impositividade como uma “grosseira e evidente inconstitucionalidade” que ataca cláusulas pétreas e cria uma “anomalia irremediável no nosso presidencialismo”.
O diagnóstico de “anomalia” foi reforçado por dados contundentes. O economista Hélio Tollini apresentou um estudo comparativo com 11 países da OCDE, demonstrando que características como a cota financeira garantida por parlamentar e a reserva de recursos no orçamento “só existem no Brasil”.
A comparação com os Estados Unidos foi devastadora: enquanto lá as emendas paroquiais foram autolimitadas pelo Congresso a 1% da despesa discricionária, no Brasil a fatia é de 25%. “Se lá havia desperdício, aqui o desperdício é muito maior”, provocou.
O risco de colapso fiscal foi o alerta do economista Felipe Salto. Com 92% do orçamento já engessado e as emendas crescendo 700% em poucos anos, o Executivo está “de mãos amarradas”, incapaz de cumprir metas fiscais e à beira de um “shutdown” da máquina pública.
A máquina eleitoral e o “melhor dos mundos”
Marilda Silveira aponta que emendas criam “parlamentar sem risco”, favorecido eleitoralmente sem controle efetivo
A conexão entre as emendas e as eleições foi descrita como uma engrenagem perversa. A advogada Marilda de Paula Silveira, do Transparência Eleitoral Brasil, afirmou que o sistema esvaziou as leis de controle do abuso de poder e criou um “parlamentar sem risco”, que se beneficia eleitoralmente, mas não responde por desvios.
A procuradora Élida Graziani (MP de Contas-SP) foi além, revelando que 66% das emendas em 2023 foram pagas antes do período de vedação eleitoral, o que coincide com uma taxa de reeleição de 82% dos prefeitos. “Desse jeito, a gente não tem controle nenhum”, sentenciou Silveira.
Kátia Brembatti, da ABRAJI, critica opacidade nas emendas: “rastreie-me se for capaz” resume a dificuldade de seguir o dinheiro público
Para a jornalista Kátia Cilene Brenbatti, presidente da ABRAJI, a falta de transparência é tamanha que a situação se transformou em um jogo de “rastreie-me se for capaz”, onde seguir o dinheiro público é uma missão quase impossível.
A defesa: “reservação das minorias” e diálogo
Dra. Gabriele, defende emendas impositivas como avanço democrático e forma de garantir recursos às minorias e municípios pobres
Em forte contraponto, os defensores do modelo buscaram legitimá-lo como uma conquista democrática. A advogada-geral do Senado, Dra. Gabriele, argumentou que a impositividade corrigiu uma injustiça histórica, na qual o Executivo distribuía recursos de forma discriminatória para cooptar sua base.
“A impositividade surge como um importante instrumento de reservação das minorias parlamentares”, defendeu, sustentando que as emendas, segundo estudos, são mais eficientes para levar recursos a municípios pobres do que os gastos diretos do governo.
O ministro da AGU, Jorge Messias, adotou uma linha de pragmatismo, afirmando que a Lei Complementar 210, fruto de um “diálogo institucional”, já corrigiu muitas das distorções. Para ele, o modelo, com os novos controles, é constitucional.
“Não estamos aqui a tratar exclusivamente de orçamento público, mas antes de estabilidade institucional”, pontuou.
Soluções no horizonte? o “cardápio” da governança
Em meio à tensão, propostas de conciliação surgiram como um possível armistício. O professor Fernando Scaff, da USP, defendeu uma “interpretação conforme a Constituição”, onde as emendas permaneceriam impositivas, mas vinculadas a um “cardápio” de políticas públicas definidas pelo Executivo, agregando valor a planos existentes.
A audiência, que se estendeu por um dia inteiro de depoimentos técnicos e políticos, expôs as fraturas de um sistema em crise. O STF, agora com um arsenal de argumentos de todos os lados, tem em mãos a responsabilidade de arbitrar um conflito que definirá a arquitetura do poder, a saúde das contas públicas e o futuro do presidencialismo no Brasil. A decisão será, invariavelmente, um divisor de águas.
A maratona de exposições reuniu um corpo técnico e político de peso. O debate contou com a participação do Governador Mauro Mendes (Mato Grosso), representando o Fórum Nacional dos Governadores; do Ministro Augusto Nardes do Tribunal de Contas da União (TCU); e de representantes do Poder Executivo, como a Dra. Isadora (AGU), Dr. Glaucio Charão (Ministério do Planejamento), Dra. Regina Lemos (Ministério da Gestão), Dr. Dácio Guedes Júnior (Ministério da Saúde) e Dr. Ronald Balbi (CGU). A Câmara dos Deputados foi representada pelo Dr. Júlio. Da sociedade civil e da academia, participaram Dr. Roberto Livianu (Instituto Não Aceito Corrupção), Dra. Juliana Sakai (Transparência Brasil), Dr. Guilherme France (Transparência Internacional), Dra. Paula Carolina de Oliveira Azevedo (Observatório para a Qualidade da Lei – UFMG), Dr. Renato Ramalho (ANAPE), Dr. Helder Rebolças (Consultor do Senado), Dra. Márcia Maria Barreta Fernandes Semer (APD), Dra. Paula Arcanelo Estorto (Confoco) e Dra. Maíra Gular da Silva (UFRJ). O encerramento teve a presença do Subprocurador-Geral da República, Dr. Luiz Augusto Santos Lima, e do Vice-Presidente do STF, Ministro Edson Fachin.
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