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Do projeto dos “cemitérios anexos” à extinção da saidinha de Natal, o senador exibiu um talento visionário para eliminar qualquer regalia do patriarca – seja em vida, seja na logística pós-vida
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – Há quem diga que a língua é o chicote do corpo. No universo bolsonarista, porém, ela funciona mais como um bumerangue de titânio: volta com precisão cirúrgica e acerta sempre quem a lançou. Se a política fosse xadrez, Flávio Bolsonaro (PL-RJ) não seria o jogador que sacrifica uma peça para ganhar vantagem; seria o estrategista que, com absoluta convicção, dá xeque-mate no próprio rei. Uma genialidade rara – e perigosamente aplicada à vida real.
Políticos corruptos têm alegado problemas graves de saúde para saírem da cadeia. Você é a favor de cemitérios ao lado das carceragens da Polícia Federal para que o Estado gaste menos com o transporte dos corpos?
— Flavio Bolsonaro (@FlavioBolsonaro) December 22, 2017
A primeira demonstração desse talento aconteceu em 22 de dezembro de 2017. Tomado pelo fervor punitivista e pela segurança ancestral de quem jamais imaginou o sobrenome no rodapé de um mandado de prisão, Flávio usou o antigo Twitter para condenar políticos presos que alegavam problemas de saúde. Indignado com a possibilidade de humanidade no sistema penal, escreveu:
“Políticos corruptos têm alegado problemas graves de saúde para saírem da cadeia”.
Mas não parou aí. Flávio, sempre preocupado com os cofres públicos, sugeriu algo realmente inovador: a construção de cemitérios ao lado das carceragens da Polícia Federal, “para que o Estado gaste menos com o transporte” dos corpos. A enquete aberta por ele mostrou apoio esmagador à ideia. Afinal, por que desperdiçar combustível com defuntos reclamões que “não aguentaram” o cárcere?
Corta para 2025. Jair Bolsonaro está preso na sede da PF em Brasília, e a família inteira suplica por prisão domiciliar, alegando – adivinhe – problemas de saúde. A vida tem dessas ironias. E, para alegria logística do senador, a cela do ex-presidente fica a apenas 150 metros do Cemitério Campo da Esperança. A sugestão de 2017 está praticamente implantada. Com um pouco de boa vontade, dá até para fazer o trajeto sem precisar ligar o motor.
Mas o primor da autossabotagem legislativa ainda estava por vir.
A lei de 2024, aprovada por apoiadores de Bolsonaro, tornou as saídas ainda mais restritas. As regras foram aprovadas pela oposição, após derrubada de vetos do presidente Lula
Em 2024, Flávio Bolsonaro assumiu a relatoria do projeto que desmontou a tradicional saidinha de feriados, acatando emenda do senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), que foi ministro da Justiça no governo Bolsonaro. A base bolsonarista derrubou os vetos de Lula com a empolgação de quem acredita que leis são armas que só funcionam contra os outros. O texto final, aprovado com entusiasmo pelo PL, acabou com saídas por datas festivas, inclusive a de Natal.
Resultado? Jair Bolsonaro, agora preso, não tem direito a visitar ninguém na ceia – mesmo que progrida ao semiaberto. A própria lei relatada pelo filho impede. É quase poético: Flávio, na ânsia de punir inimigos imaginários, arquitetou um Natal em família… sem a família.
No fim, o senador conseguiu um feito notável. Tornou-se o bom legislador que sempre quis ser – só não imaginou que seu maior eleitor nessa jornada seria o próprio destino. De verdugo dos adversários, transformou-se no carcereiro moral e no gerente de logística fúnebre do pai.
Uma visão realmente diferenciada.
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