
Em decisão de “conexão vertical”, juiz Fábio Ramiro e Procurador da República detalham teia de CNPJs e desvios no SUS; autos de Epifânio e Wagner sobem ao TRF1 devido ao foro do prefeito
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – A Operação USG, que apura um esquema milionário de fraudes na saúde de Formosa do Rio Preto, passou por uma reviravolta jurídica decisiva nas últimas 72 horas. Documentos obtidos com exclusividade pelo Caso de Política mostram que a Justiça Federal em Barreiras não apenas declinou da competência para julgar o caso, como também expôs, com riqueza de detalhes, a existência de quatro inquéritos policiais que já tramitam no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), todos tendo como alvo central o prefeito Manoel Afonso de Araújo (Neo Afonso).
A decisão atinge diretamente dois processos distintos que corriam na Vara Federal Cível e Criminal de Barreiras: o pedido de liberdade do médico Epifânio João da Cruz Neto e o do empresário Wagner Olímpio da Rocha.
O “não” à liberdade e a decisão de 1º de dezembro
No final da tarde desta segunda-feira (1º), o juiz federal das Garantias Fábio Moreira Ramiro assinou a decisão que define o destino dos investigados. Ao analisar o pedido da defesa do médico Epifânio – representado pelo advogado Mário Francisco Teixeira Alves Oliveira -, o magistrado reconheceu a incompetência da primeira instância.
O magistrado destacou haver uma “inequívoca sobreposição” entre as prisões decretadas na operação local e as investigações mais amplas que tramitam em Brasília.
“Na espécie, os elementos dos autos evidenciam que o decreto prisional impugnado está diretamente vinculado à investigação de fatos que guardam conexão vertical com quatro inquéritos”, escreveu o juiz, determinando a remessa urgente dos autos ao TRF1 e mantendo, por ora, a prisão dos acusados.
O “mapa da mina”: parecer do MPF abre a caixa-preta
Se a decisão judicial confirmou o envio dos autos a Brasília, foi o parecer do Ministério Público Federal (MPF), anexado ao processo do empresário Wagner Olímpio da Rocha, que delineou a “anatomia do crime”. Em manifestação assinada no dia 28 de novembro de 2025, o Procurador da República Robert Rigobert Lucht descreveu a divisão de tarefas dentro da organização criminosa.
O documento do MPF rebateu os argumentos da defesa de Wagner – feita pelos advogados Pedro Henrique Rodrigues e Roney Batista de Melo – e listou, um a um, os inquéritos sigilosos, seus alvos e os CNPJs envolvidos:
- IPL 1025010-24.2024.4.01.0000: Investiga a Clínica Médica Olímpio da Rocha Ltda. O MPF aponta “possível malversação de verbas do FNS/SUS atribuída ao atual prefeito Manoel Afonso de Araújo”.
- IPL 1025056-13.2024.4.01.0000: Foca na empresa Pró Saúde Serviços Médicos Eireli (mesmo CNPJ raiz da anterior, indicando confusão patrimonial). Os investigados nominais são o médico Epifânio João da Cruz Neto e a médica Maria Raquel de Araújo Santos, por não cumprimento de carga horária.
- IPL 1024756-51.2024.4.01.0000: Apura irregularidades na contratação de um grupo maior: Ferdnam Pinheiro Rodrigues, Marina Araújo Santos Mascarenhas, além de Epifânio, Maria Raquel e Wagner Olímpio. O foco é o controle de escalas diárias e ponto.
- IPL 1028406-09.2024.4.01.0000: Mira a Clínica Médica de Diagnóstico e Laboratório (CMDL) (CNPJ 39.338.162/0001-70), considerada pelo MPF a “figura central do esquema fraudulento” na malversação de verbas federais.
Prefeito Neo Afonso no centro do alvo
Tanto o juiz Fábio Ramiro quanto o procurador Robert Lucht foram enfáticos ao afirmar que não se trata apenas de erros administrativos, mas de crimes supostamente praticados “no exercício do cargo e em razão das funções”.
O MPF citou o Habeas Corpus n. 232.627/DF do STF para sustentar que, mesmo com reeleição ou eventuais afastamentos, o foro privilegiado de Neo Afonso atrai toda a investigação para o tribunal superior. “Descabe a este Juízo apreciar o pedido de relaxamento”, concluiu o magistrado, frustrando as expectativas das defesas, que aguardavam uma solução rápida em Barreiras.
Agora, o futuro de Epifânio, Wagner e dos demais 7 presos será decidido por um desembargador relator no TRF1, em Brasília, onde a pressão política e jurídica tende a ser ainda maior.
Memorial: Entenda a Operação USG
Para compreender a gravidade da decisão que remeteu o processo a Brasília, é necessário revisitar o histórico dos escândalos que atingem a saúde de Formosa do Rio Preto:
- O estopim: A operação foi deflagrada pela DECCOR após denúncias de que a Prefeitura pagava por procedimentos médicos impossíveis. O caso mais grotesco, revelado pelo site Oeste Global em 16 de novembro de 2023, foi a autorização e pagamento de ultrassons transvaginais em pacientes do sexo masculino e até em pessoas já falecidas.
- O montante: As investigações preliminares da Polícia Civil da Bahia estimam prejuízo de R$ 12 milhões aos cofres públicos, drenados por contratos superfaturados, plantões fantasmas e serviços jamais prestados.
- A cronologia da persecução penal:
- 17 de dezembro de 2024: 1ª fase da Operação USG (busca e apreensão).
- 18 de novembro de 2025: 2ª fase prende nove pessoas (vereador, ex-secretários e médicos) em Formosa e no Piauí.
- 28 de novembro de 2025: MPF protocola parecer no processo de Wagner Olímpio, revelando os quatro inquéritos e os CNPJs das clínicas.
- 1º de dezembro de 2025: juiz federal Fábio Ramiro assina a decisão no processo de Epifânio, declinando competência e mantendo as prisões.
- Envolvimento do prefeito: Antes mesmo da confirmação oficial dos inquéritos no TRF1, documentos obtidos por esta reportagemjá exibiam a assinatura digital do prefeito Neo Afonso (de setembro de 2022) validando listas de pagamentos fraudulentos. A auditoria da empresa SaudInova, contratada pela própria gestão de Neo Afonso, acabou servindo como prova contra a administração ao revelar falta de controle. Em reação protocolar – e ironicamente tardia – ao escândalo que deflagrou a Operação USG, a Câmara de Formosa do Rio Preto aprovou em 18 de novembro de 2025, o PLC nº 007/2025, enviado em regime de urgência pelo Executivo. A proposta objetiva reorganiza o Sistema de Controle Interno e cria as carreiras de Analista e Técnico de Controle Interno.
A movimentação, articulada pelo prefeito Manoel Afonso de Araújo (Neo Afonso), soa contraditória: em seu quarto mandato, e plenamente conhecedor da máquina pública, o gestor só acelera a criação de mecanismos de controle após o desvio de R$ 12 milhões do FMS ser exposto, levando a prisões e ampliando o cerco judicial e político contra sua administração.
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