
Cantor e compositor baiano, que transformou o sertão em poesia e criou uma planta inexistente para rimar com Piritiba, faleceu neste sábado (24), em Salvador. Música nasceu em meio à ditadura e virou símbolo de resistência e genialidade popular
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – O cantor e compositor baiano Wilson Aragão morreu neste sábado (24), aos 75 anos, no Hospital Aristides Maltez, em Salvador. Lutava contra um câncer no fígado. O corpo foi sepultado na tarde deste domingo (25), em sua cidade natal, Piritiba. Ao longo da carreira, Aragão se destacou não apenas pela musicalidade, mas por transformar a vida rural em narrativa política e poética — como fez em “Capim Guiné”, parceria com Raul Seixas e uma das mais surpreendentes histórias da música brasileira.
“Guataíba não existe, foi Raul quem inventou”, contou Aragão em entrevista ao jornalista Danilo Ribeiro, ao narrar como nasceu o verso “plantei um sítio no sertão de Piritiba, dois pés de guataíba, caju, manga e cajá”.
Segundo o artista, a rima nasceu por telefone, quando Raul Seixas sugeriu colocar o nome da terra de Aragão na canção.
“Piritiba vai ficar famosa no Brasil todo”, disse o maluco beleza. Como “guabiraba” não rimava, Raul inventou a tal “guataíba” — uma planta inexistente, mas que se encaixava poeticamente. “Fake news já existia em 1979”, ironizou Aragão, entre risos.
A canção, no entanto, não se limita à irreverência. É também um retrato da repressão da ditadura militar. Aragão revelou que a letra é uma metáfora sobre as grilagens de terra e a perseguição a sua família por ser contrária ao regime militar.
“Mandaram invadir as terras do meu pai. Meu pai foi até Brasília, perguntaram: apoia o golpe de 64? Ele disse que não, então mandaram invadir mesmo”, relatou.
Os personagens da canção são símbolos do abandono e da exploração vivida no campo.
“Nem o um pé de passarinho veio até a terra semear… O gerente do banco não emprestou, o delegado não deu jeito. Mas depois que a terra ficou boa, todo mundo queria um pedaço.”
Wilson ainda explicou que o “eu” da canção não é ele, mas seu pai.
“Com muita raça fiz tudo aqui sozinho… era meu pai quem dizia. O boi tem que dar carne, a vaca tem que dar leite, não é só vir comer o capim e a banana. Quando tudo tá pronto, vem a marvadeza”, desabafou, associando os “bichos” da música aos oportunistas de gabinete e autoridades omissas. “A cara de viado que viu o caxinguelê” — verso enigmático da canção — simbolizava o presidente Geisel, segundo Aragão: “Vendo tudo e parado”.
O encontro com Raul Seixas foi quase acidental. O roqueiro teria ido descansar em Piritiba e se encantou com a letra que crianças cantavam na praça da cidade. A música, que venceria um festival local em 1982, foi adotada por Raul e gravada, multiplicando-se em regravações — mais de 40, segundo Aragão —, mas mudando drasticamente a vida do autor:
“Meu poder aquisitivo caiu 80%”, brincou. “Eu era gerente de recursos humanos em grandes empresas, mas entrei nas lutas populares. A música mudou tudo.”
Wilson Aragão construiu sua carreira entre a arte e o ativismo, costurando memórias do sertão, críticas sociais e o lirismo nordestino em versos carregados de identidade e denúncia. Capim Guiné foi sua síntese — com ou sem planta real, nasceu da verdade profunda da terra e da vida que tentou retratar.
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