
Imagens: Prints da transmissão, por Caso de Política
Liderada por uma forte bancada feminina, a Tribuna Popular não apenas apresentou o trabalho da rede de proteção e dados alarmantes sobre a violência de gênero, mas também se consolidou como um ato político de cobrança ao poder executivo, com propostas de novas estruturas e denúncias de violência institucional na saúde municipal
Caso de Política | Luís Carlos Nunes – A Tribuna Popular realizada na Câmara Municipal de Barreiras na noite desta quarta-feira (20) transcendeu o formato de um mero evento alusivo ao “Agosto Lilás” para se firmar como um contundente ato político. Convocada pela Comissão de Direitos da Mulher – um poderoso instrumento legislativo composto pelas vereadoras Silma Alves (Presidente), Beza (Relatora) e Drª Graça Melo (Membro) -, a sessão especial evidenciou a força da bancada feminina, que ocupa 8 das 19 cadeiras, e estabeleceu uma clara agenda de cobranças por ações concretas do poder público no combate à violência de gênero.
A noite foi marcada pela exposição de dados alarmantes, pela apresentação da robusta, porém sobrecarregada, rede de proteção local, e por uma denúncia de extrema gravidade que expõe a violência institucional sofrida por mulheres no sistema de saúde do município.
A rede de proteção: entre avanços e desafios
Tailane da Silva Rocha, do CRAM, destaca acolhimento integral e inclusão, com atendimentos personalizados, cursos e plano de segurança para mulheres, reforçando a importância de espaços que apoiam antes mesmo da punição
A mesa de debates reuniu especialistas que atuam na linha de frente, oferecendo um diagnóstico preciso da realidade local. Tailane da Silva Rocha, coordenadora do Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM), iniciou sua explanação enfatizando a necessidade de ir além da discussão sobre a violência e focar nos espaços de acolhimento disponíveis.
“É necessário falar de um espaço que existe aqui em Barreiras para acolher as mulheres – mulheres cis, mulheres trans – que sofrem todo e qualquer tipo de violência”, declarou.
Ela destacou a filosofia de inclusão do centro, explicando que o logotipo da instituição, com a bandeira das mulheres lésbicas e bissexuais, representa um espaço que “abraça e abrange todas as mulheres em suas singularidades”.
Tailane detalhou o trabalho multifacetado do órgão, que, segundo ela, vai além do simples “atendimento” para realizar um “acompanhamento” completo. Isso envolve a criação de um plano de segurança e de identificação de vulnerabilidades para cada mulher, promovendo não só a saída do ciclo de violência, mas também a inserção no mercado de trabalho através de oficinas e cursos de qualificação profissional. Ela informou que em 2024, o CRAM realizou 1.237 atendimentos e que, devido à alta demanda, a instituição já solicitou a ampliação de sua equipe, que hoje conta com psicólogas, assistente social, educador social, entre outros.
De forma analítica, a coordenadora também explicou a diferença crucial entre os números da DEAM e os do CRAM.
“A DEAM tem um poder coercitivo, punitivo. A mulher vai ali e é instaurado um processo. No CRAM é diferente. É um serviço ofertado, a mulher tem que querer estar no CRAM, e não temos o poder coercitivo referente ao homem. Muitas vezes, o medo e a insegurança fazem com que ela procure primeiro um espaço como o nosso”, contextualizou, ressaltando a importância do centro como uma porta de entrada, muitas vezes menos intimidante, para a rede de proteção.
Delegada Marília Matos destaca aumento das denúncias, alerta para a violência letal contra mulheres e cobra mais estrutura para a DEAM, mas se mostra otimista com a mobilização social
A delegada titular da DEAM, Drª Marília Matos, em uma fala aprofundada, revelou o aumento de registros de ocorrência (951 em 2024), o que pode refletir maior coragem das mulheres em denunciar. Contudo, expressou otimismo ao ver a mobilização social.
“Fico otimista em ver um auditório como esse, com tantas pessoas sensíveis a essa causa”, disse. Ela trouxe o dado alarmante de que quatro mulheres são assassinadas por dia no Brasil e ressaltou que a luta é um esforço conjunto, cobrando a necessária estrutura para a DEAM, como uma sede própria e o aguardado plantão 24 horas.
Sargento PM Edinalva Fernandes apresenta resultados da Ronda Maria da Penha, com milhares de ações preventivas e 51 prisões em flagrante, reforçando a confiança das mulheres na proteção da lei
Completando o panorama, a Sargento PM Edinalva de Sousa Oliveira Fernandes, coordenadora da Ronda Maria da Penha, demonstrou a eficácia do policiamento preventivo com um balanço impressionante: 8.448 visitas, 16.771 rondas e 7.656 contatos telefônicos, ações que resultaram em 51 prisões em flagrante por descumprimento de medidas protetivas.
“A Ronda Maria da Penha representa um divisor de águas, trazendo confiança para as mulheres romperem o silêncio. Nosso trabalho representa acolhimento, proximidade e a garantia de que a lei é aplicada”, afirmou.
A análise interseccional e a cobrança por políticas estruturais
A professora Nilza Martins, do CODETER, enfatiza a interseccionalidade da violência de gênero e propõe ações concretas: criação de órgão municipal de políticas para mulheres, educação emancipadora, autonomia econômica, ampliação de creches e campanhas contínuas de conscientização
A professora Nilza Martins, coordenadora do CODETER, ofereceu uma análise sociopolítica crucial, partindo de seu “lugar de fala” para conectar as múltiplas camadas da violência de gênero. “Falo como uma mulher, negra, educadora, mãe solo, que representa o retrato de muitas e muitas mulheres deste país”, iniciou, estabelecendo a base de sua argumentação.
Ela defendeu enfaticamente que a violência de gênero não pode ser discutida de forma isolada, mas sim através de uma perspectiva interseccional, que compreenda os recortes de raça e classe social.
“Precisamos entender o racismo estrutural que nós vivemos no país, que perpassa e que fere diretamente essas mulheres, as mulheres negras, as mulheres pobres, periféricas da nossa cidade”, pontuou, direcionando o debate para as raízes sistêmicas do problema.
A partir desse diagnóstico, a professora transformou sua análise em um plano de ação concreto, apresentando um conjunto de propostas pragmáticas para que o poder público atue de forma eficaz. Suas sugestões foram:
- Estrutura Governamental: A criação de um organismo municipal próprio e fortalecido, como uma Secretaria ou Superintendência da Mulher, para centralizar e impulsionar as políticas de gênero de forma contínua.
- Educação Emancipadora: Implementação de pré-vestibulares exclusivos para mulheres da periferia, reconhecendo a educação como principal ferramenta de transformação e quebra de ciclos de violência.
- Autonomia Econômica: Desenvolvimento de programas consistentes de geração de emprego e renda, para garantir a independência financeira que, muitas vezes, é o principal obstáculo para que a mulher deixe um relacionamento abusivo.
- Apoio à Maternidade e Trabalho: A ampliação do horário de funcionamento das creches municipais, permitindo que mães, especialmente as solo, possam trabalhar ou estudar no período noturno sem terem sua jornada dupla penalizada.
- Conscientização Contínua: Realização de campanhas permanentes de combate à violência nos bairros, levando a informação diretamente às comunidades mais vulneráveis, em vez de ações pontuais em datas específicas.
“É a educação que revoluciona a vida da gente”, concluiu a professora, sintetizando sua filosofia e defendendo que as políticas públicas devem ser inclusivas para todas, mencionando explicitamente a necessidade de acolher também as mulheres trans.
A análise das vereadoras: propostas e a defesa da sociedade civil
A vereadoraSilma Alves, presidente da Comissão da Mulher, defende criação da Secretaria da Mulher em Barreiras durante Tribuna Popular
A força política da bancada feminina foi o fio condutor da noite. A vereadora Silma Alves, presidente da comissão e proponente da Tribuna Popular, em um discurso enfático, pautou demandas diretas.
“Essa tribuna reforça o que já sabemos: precisamos de uma estrutura permanente no executivo. Temos uma indicação, eu e a vereadora Teteia, para a criação de uma Secretaria da Mulher em Barreiras. É uma das nossas bandeiras”, afirmou, ressaltando que não medirá esforços para que a pauta avance.
Vereadora Delmah Pedra destaca a relevância da sociedade civil organizada e defende apoio do poder público a entidades como o Abrigo Mãe e a Casa da Mulher Barreirense, que acolhem e orientam mulheres em situação de vulnerabilidade
A vereadora Delmah Pedra, com grande sensibilidade social, direcionou seu discurso à importância da sociedade civil organizada.
“Quero falar da importância de reconhecer e apoiar instituições que são a mão estendida para muitas mulheres. O trabalho feito por ONGs como o Abrigo Mãe e a Casa da Mulher Barreirense é de um valor inestimável. Eles acolhem, cuidam, orientam e dependem de parcerias para sobreviver. Nós, como poder público, temos o dever de fortalecer e dar suporte a essas entidades”, defendeu.
Vereadora Dicíola Baqueiro ressalta a força do coletivo feminino e a produção legislativa da Câmara, destacando leis que ampliam a proteção às mulheres, como a que impede agressores de assumir cargos públicos
Dicíola Baqueiro focou na produção legislativa e na força do coletivo feminino.
“Tenho o maior orgulho de fazer parte da Comissão da Mulher. Nós já aprovamos nesta casa projetos importantes, como o da vereadora Carmélia que impede agressores de assumirem cargos públicos. Isso mostra que não estamos paradas”, disse, reforçando que o papel da Câmara é criar mecanismos legais para proteger as mulheres.
Apoio e reflexões do plenário
Vereador Rider Castro elogia rede de proteção e aponta avanço cultural: mais mulheres denunciam e encontram segurança em instituições como a DEAM e a Ronda Maria da Penha
O vereador Rider Castro parabenizou a rede de proteção e destacou uma mudança cultural fundamental:
“A coragem que as mulheres estão tendo hoje de denunciar é um avanço. Antes, era comum a mulher recuar. Hoje, elas se sentem mais seguras, e isso é um reflexo direto da confiança que instituições como a DEAM e a Ronda Maria da Penha estão construindo”, analisou.
A denúncia e a cobrança por dignidade
Denúncia do vereador João Felipe expõe situação no Hospital Municipal Eurico Dutra: mulheres relataram violência institucional em enfermarias, reforçando a urgência de medidas do poder público
A denúncia do vereador João Felipe sobre a situação no Hospital Municipal Eurico Dutra adicionou uma camada de urgência ao debate.
“Mães de família, mulheres doentes, sendo obrigadas a testemunhar homens se masturbando em enfermarias compartilhadas. Isso não é só um descaso, é uma violência institucional gravíssima”, afirmou.
A fala do parlamentar, direcionada ao poder executivo, evidenciou que a luta contra a violência de gênero deve se estender a todos os espaços públicos.
A noite desta quarta-feira, portanto, foi mais do que um marco no calendário do “Agosto Lilás”. Foi uma clara demonstração de que a pauta da mulher em Barreiras possui representação política ativa e vigilante na Câmara Municipal, pronta para legislar, fiscalizar e cobrar, incessantemente, o direito de todas as mulheres a uma vida livre de violência, seja ela doméstica ou institucional.
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